Mais do que provedores da casa, pais começam a assumir um novo papel na
vida familiar...
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As mulheres estão trabalhando mais do que nunca – muitas até bem mais do
que os homens, se considerarmos que boa parte dos cuidados com a organização
doméstica e os filhos ainda cai exclusivamente sobre os ombros femininos.
Por conta dessa rotina atribulada, mas também porque não são poucos os
que desejam ter uma participação mais ativa nos assuntos relativos à própria
família, muitos homens têm se assumido tarefas e programas incomuns aos colegas
das gerações anteriores. Exemplos: reuniões com professores, festinhas,
consultas médicas e outros compromissos relativos à vida dos filhos.
Dependendo da função, do nível de responsabilidade, do local de trabalho
ou da carga horária da mulher, é o homem quem, no meio da tarde, precisa sair
correndo para buscar a criança que se machucou ou está ardendo em febre na
creche. Nada mais normal, já que a divisão de contas e, consequentemente, de
tarefas e obrigações entre um casal é a realidade de muitos lares.
"De uns vinte anos para cá, está acontecendo uma mudança de
comportamento nos homens. Eles perderam o poder de serem os únicos provedores
da casa e começaram a assumir um novo papel dentro do contexto familiar, tendo
que aprender a lidar com situações que não eram de sua responsabilidade",
afirma Viviane Mourão, diretora da empresa Meta&Vida Desenvolvimento em RH.
Essa nova realidade começa a se refletir na vida profissional, algo há
muito tempo peculiar às mulheres. Em um ambiente conservador, é difícil para um
homem dizer para o chefe: "Preciso ir, minha filha está passando mal"
ou "amanhã vou chegar mais tarde porque tenho reunião na escola do meu
filho". Porém, o homem precisa aprender a negociar e assumir uma parte da
tradicional segunda jornada da mulher que é mãe.
Segundo Vitor Morgensztern, professor na área de pessoas, gestão e
relacionamentos, cada empresa tem uma cultura organizacional implícita a ser
seguida. Mas, se o funcionário tiver certeza de sua competência e seu
profissionalismo, por que não questioná-la quando uma necessidade pessoal tiver
de se sobrepor ao trabalho?
"É necessário desenvolver a coragem e dizer ao chefe o que quer,
quebrando o paradigma de que quem cuida dos filhos é a mulher", diz Vitor.
Para o especialista, as duas partes do casal devem ter uma clara escala de
valores que os ajudem a decidir se devem ir à primeira apresentação de teatro
da criança, por exemplo, ou à reunião com um importante cliente. A convicção de
suas escolhas, sem negligenciar as responsabilidades, certamente ajudará a
argumentação na negociação.
Sensibilidade
Vitor Morgensztern explica que não existem empresas preparadas ou
despreparadas para lidar com as questões pessoais de seus colaboradores e as
novas configurações e necessidades familiares. O que existem são pessoas mais
ou menos preparadas, e por isso ele acredita que a mudança deve mesmo partir
dos próprios funcionários.
Uma das tendências de comportamento que deve permear as relações
profissionais nos próximos anos são as chamadas "soft skills",
expressão que reflete a capacidade de se relacionar com o outro, de ouvir,
falar, aconselhar, perdoar. De ter sensibilidade para as situações do
cotidiano, do escritório, da vida.
Para Maria de Lurdes Zamora Damião, professora e psicopedagoga, a
sensibilidade é o principal valor a ser construído e até mesmo dar novo
significado às relações de trabalho. "Quando o profissional mostra-se
humano, empático e envolvido com os colegas, colaboradores ou pares, essa
disponibilidade possibilita construir parcerias e relacionamentos
produtivos", afirma.
Na opinião de Ylana Miller, sócia-diretora da Yluminarh e professora de
gestão de carreiras, o exercício de conciliar a vida profissional com a pessoal
pode ser tornar um diferencial na carreira masculina, principalmente para
aqueles que desejam galgar posições de comando. "Chefes que valorizam a
qualidade de vida demonstram empatia e interesse genuíno pelas pessoas, além de
influenciá-las positivamente. Ao partilharem emoções constroem relações mais
verdadeiras e profundas", declara.
Peso do estigma
Em curto prazo, no entanto, Ylana afirma que o ambiente corporativo
ainda não é receptivo nem maduro para lidar com as necessidades de seus
colaboradores que têm filhos (e que ajudam a criá-los). "Culturalmente se
associam às mulheres os papéis de mães e protetoras. É algo natural vê-las
ocupar suas agendas profissionais com atividades relacionadas à família. Homens
ainda são minoria em eventos familiares que acontecem durante o horário de
trabalho e, em geral, têm vergonha de se expor", diz.
Para Daniela do Lago, coaching e professora, o assunto envolve um
paradoxo. Apesar de ser tido como algo natural e até previsível uma mulher
deixar o escritório para resolver um assunto de família, sua atitude pode ser
encarada como falta de compromisso pelos colegas. "Já o homem que encerra
o expediente mais cedo para buscar o filho é visto como uma exceção digna de
admiração. As pessoas na empresa imediatamente o consideram um excelente pai,
um exemplo de marido, um ótimo funcionário", diz Daniela.
É bom frisar que os elogios são ocasionais. "Os homens que se
ausentam do trabalho para cuidar de assuntos pessoais, ainda que emergenciais
relacionados à família, mulher ou filhos, ainda são estigmatizados por seus
chefes e, muitas vezes, pelos próprios colegas –que podem, amanhã, precisar
passar exatamente pela mesma situação", explica Verônica Rodrigues da
Conceição, docente do Executive MBA da BSP (Business School São Paulo). Ela
declara que existem louváveis casos de empresas vanguardistas, que pregam e
preparam a liderança para praticar uma política de igualdade entre homens e
mulheres e até a estimulam. Porém, por enquanto, esses casos ainda são raros.
As novas gerações devem possibilitar a efetivação de uma nova ordem – na
sociedade e no ambiente de trabalho– em que os valores humanos sejam mais apreciados,
aceitos e praticados, e em que os homens possam, naturalmente, escolher e
realizar tarefas e participar de atividades que, antes, seriam automaticamente
designadas às mulheres.
A realidade está mudando, pois a individualidade dos profissionais está
cada vez mais em evidência, e as questões pessoais fazem cada vez mais parte do
universo corporativo. Dessa forma, muitas barreiras ainda precisam ser
quebradas não só por parte dos homens, mas também das mulheres, para que essa
realidade seja encarada de forma mais saudável e com menos preconceito dentro
do ambiente profissional.
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